Queridos João e Ana,
Não há tempo que passe se vocês têm um ao outro, pois cada dia que vivem é mais um em sua história. Vocês não precisam contar os dias ao lado um do outro, nem precisam saber que horas são. Pra vocês, tudo sempre é um passo à frente, em um mesmo caminho ou uma nova estrada. Cada novo dia se encarrega de gravar uma nova cena do filme das suas vidas, pois somente alguns poucos conseguem ir muito mais além daquilo que, em algum momento, assumiram como seu propósito nessa vida.
“Vem sentar-te ao meu lado” dizia Charles-Ferdinand Ramuz. “Eis que os filhos estão encaminhados e partiram pelo mundo; e novamente somos apenas dois, como no começo”. Todo mundo sabe que o sol sempre nasce diferente, pelo menos assim dizem os apaixonados. E que a Lua sempre se esconde, envergonhada pela beleza de quem está bem pertinho, ao nosso lado. Das tantas palavras ditas com o coração ficam as eternas, os tantos “eu te amo” ou “boa noite meu amor”, que saem tão espontaneamente quanto o sorrir da manhã seguinte.
“Lembras-te? Não tínhamos nada para começar”, continuava Ramuz. “É preciso coragem”, continuou. E vocês continuaram e continuam a começar e recomeçar, a construir e a plantar sementes do bem querer. Hoje, já têm o que sempre quiseram. O amor dos filhos, dos netos, dos familiares. As fotos das viagens, as praias, as incontáveis cidades, as histórias pra contar. Todo o amor que foi preciso, vocês conseguiram distribuir, demonstrar e eternizar. Para que só em seguida, a vida pudesse começar.
Lembram-se? “Todas as preocupações e vocês estavam lá. Noites em pé, trabalho da manhã até anoitecer. Mas vocês permaneceram, um apoiando o outro, cada um com sua força, com as mãos dadas e os corações em sincronia. Ah, a sincronia! Se todos os compassos fossem assim, tão perfeitos, não existiria solidão, nem tristeza. Os anos se sucederam, tudo passou e vocês estão aqui.
E tudo isso pra nos mostrar que o amor verdadeiro emerge do sempre, da cumplicidade e da compreensão. Do pouco a pouco, das esperas e das soluções. O amor emerge dos passos que aprendemos a dar durante a vida. De ver as crianças crescendo lado a lado com os exemplos e sentindo a força da casa e dos seus fortes alicerces.
“Agora é tempo de colheita” e lado a lado vocês contemplam aquele anoitecer rosado entre as árvores, sentados lado a lado, sem precisar dizer nada. Apenas estar juntos, no sentimento de missão cumprida e da sensação de que ainda há muito para viver.
Enfim, o poeta José Marti que um dia disse “Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro”, nos faz pensar. Filhos, vocês tiveram dois, árvores, pelo menos João Lima a gente sabe que plantou centenas, agora livros…bem, a gente dá mais 50 anos pra vocês dois e uma licença para comemorar “esta noite, pois que o tempo está bom”.
Com a suposta permissão de Charles-Ferdinand Ramuz. Crônica inspirada pelo texto “Esta noite, pois que o tempo está bom” em homenagem aos 50 anos de casados dos meus sogros, João e Ana Lima.